A confissão de culpa
Só os políticos oportunistas, os eleitores idiotas e os fiéis da seita bolsonarista acreditam que Jair Bolsonaro pegou, segundo ele mesmo, a gravação das ligações da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, onde tem uma casa, para que elas não fossem adulteradas. Todos as pessoas inteligentes e atentas sabemos que ele pegou a gravação exatamente para fazer o contrário do que diz: pegou-a para adulterá-la e impedir que ela comprove sua relação – já apontada por várias outros indícios – com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Ignorando completamente a advertência do ministro decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, ao pegar a gravação, seguramente com a cumplicidade de seu ministro da Justiça, Sergio Moro, Bolsonaro mais uma vez se comporta como um "monarca presidencial" e trata o Brasil como uma selva em que pode praticar safári ao seu bel-prazer em companhia de seus herdeiros e com a ajuda de suas milícias, desrespeitando clara e debochadamente do Estado Direito.
Bolsonaro levou as práticas criminosas frequentes em seus mandatos como deputado federal para a presidência da República, transformando-as em terrorismo de estado com a ajuda de Sergio Moro, o ex-juiz da Operação Lava Jato que prendeu Lula num processo fraudulento e sem provas, mas que segue silente em relação ao enriquecimento ilícito da família Bolsonaro e a relação íntima desta com Queiroz, bandido que, mesmo foragido, segue gerindo informalmente os mandatos de Flavio e Eduardo Bolsonaro. Moro segue também blindado pela Rede Globo, que está ciente de que falar a verdade sobre esse canalha é pôr abaixo a narrativa mentirosa que ela ajudou a construir para impedir que o PT ganhasse mais uma eleição presidencial.
No dia do primeiro ataque à democracia perpetrado pelas facções das elites politicas e econômicas, com o apoio da parte ignorante, ressentida e hipócrita da classe média, que vinham perdendo as quatro últimas eleições presidenciais – no dia 17 de abril de 2016 – Bolsonaro elogiou um torturador sob os olhos de todas elas. De quebra, dirigiu-me uma vez mais um insulto homofóbico. Reagi com uma cuspida em sua cara de fascista que estampava o riso de quem gozava da cumplicidade dos que deveriam tirá-lo dali algemado pelo que fez.
Bolsonaro e seu filho Eduardo pegaram as gravações da sessão do golpe e fizeram uma adulteração criminosa – posteriormente comprovada por laudo da perícia da polícia do Distrito Federal – de modo a me acusar de ter premeditado a cuspida e, com isso, levaram-me (eu, a vítima!) ao Conselho de Ética da Câmara, com ampla cobertura de uma imprensa que fazia da perseguição homofóbica um espetáculo para me humilhar. Não se tratava da primeira vez que Bolsonaro falsificava documentos públicos para me incriminar.
Bolsonaro também contou mais de uma vez com seus aliados ideológicos (se não, de seus compadres de organizações criminosas) no Ministério Público para fazer denunciações caluniosas contra mim a partir de fake news que seu gabinete mesmo disseminava com recursos públicos. Aliás, também aí não faltaram "jornalistas" nos grandes jornais e portais na Internet prontos para noticiar essas denunciações criminosas de modo a me constranger e me intimidar porque, à época, eu era uma das vozes mais ativista fora do PT contra o golpe de 2016.
Não é de espantar, portanto, que, logo após a denúncia feita pelo Jornal Nacional – de que um dos assassinos de Marielle Franco, no dia em que a executaram, dirigiu-se, antes, à casa de Bolsonaro no condomínio de luxo em que mora na Barra da Tijuca; não é de espantar que, logo após essa revelação, a promotora do caso, Carmen Eliza Bastos de Carvalho, bolsonarista convicta, daquelas de postar foto no Facebook vestida com a camiseta do "mito", tenha vindo a público desqualificar a denúncia do telejornal.
Ora , a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marília Castro Neves, espalhou fake news difamando Marielle Franco e "justificando" seu assassinato brutal menos de quatro horas depois de sua morte. Esta mesma desembargadora – que segue impune em sua ostentação cafona – antes sugeriu a minha execução "profilática" num grupo de magistrados.
Logo, só não vê quem não quer ver: Bolsonaro irá deliberadamente adulterar, de modo a se safar, a gravação das ligações feitas da portaria de seu condomínio de luxo no dia em que seus vizinhos sicários assassinaram Marielle Franco e Anderson Gomes.
O ato de pegar a gravação é, em si mesmo, uma confissão de culpa, por parte de Bolsonaro, no assassinato dessa vereadora honesta, que trabalhava pela dignidade dos mais pobres e das mulheres e que era um símbolo de mobilidade social e de renovação na política brasileira. E é como confissão de culpa que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, as Forças Armadas, a Procuradoria Geral da República, o Ministério Público do Rio Janeiro, a Ordem dos Advogados do Brasil e a imprensa – ou ao menos os que ainda têm decência e apreço à democracia nessas instituições – deveriam tratar esse ato de Bolsonaro.
Essas instituições, contudo, encontram-se numa encruzilhada porque, salvas as raras exceções, 1) participaram deliberadamente e num "grande acordo nacional, com Supremo e tudo", cada uma à sua maneira, do golpe contra o governo Dilma em 2016, primeira fissura antidemocrática, alinhando-se com Bolsonaro e sua base eleitoral gerida por organizações criminosas nas eleições de 2018; e 2) estão eivadas, por dentro, pela ideologia da extrema-direita e há muito tempo elas mesmas abrigam títeres dessas organizações criminosas que pretendem solapar de vez o Estado Democrático de Direito.
A hora de sair da encruzilhada é esta!