Jean Wyllys http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br Jean Wyllys é escritor, jornalista, mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia, criador, roteirista e apresentador do Cinema em Outras Cores e ativista de direitos humanos. Tue, 17 Dec 2019 23:27:09 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Sobre como uma fascista lésbica é vítima da homofobia que sempre negou http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/17/sobre-como-uma-fascista-lesbica-e-vitima-da-homofobia-que-sempre-negou/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/17/sobre-como-uma-fascista-lesbica-e-vitima-da-homofobia-que-sempre-negou/#respond Tue, 17 Dec 2019 22:41:55 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=355 Karol Eller e Jair Bolsonaro em 2016

Karol Eller e Jair Bolsonaro em 2016

Ao saber da agressão homofóbica contra a youtuber bolsonarista Karol “Eller” em um quiosque na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, inevitavelmente me veio à cabeça o dito espanhol “cría cuervos y te sacarán los ojos”. Lésbica, Karol fez e faz parte do time de LGBTs que se prestaram e se prestam a passar pano ou a negar a homofobia de Bolsonaro e da extrema-direita brasileira, e a atacar o movimento LGBT, negando a existência da homolesbotransfobia no Brasil e acusando as pessoas que denunciam essa violência de “vitimistas”. Mas a vida é real e é de viés, e, por isso, assim como o vereador Fernando Feriado e o humorista Evandro dos Santos – dois outros homossexuais cheios de homofobia internalizada e que uivaram e uivam com os lobos homofóbicos na esperança vã de que estes lhes poupem – Karol aprendeu da pior maneira que, sim, a homofobia existe e que os homofóbicos estão se sentindo mais livres para perpetrar violências contra LGBTs desde que a extrema-direita se tornou hegemonia política e Bolsonaro venceu as eleições no Brasil.

No rastro da notícia dessa agressão, identifiquei em circulação nas mídias sociais, de imediato, duas formações discursivas relacionadas entre si:

    1. Políticos da extrema-direita e bolsonaristas – que, assim como o próprio Bolsonaro, sempre negaram a existência de homofobia ao mesmo em que a perpetravam de diferentes formas – cobrando solidariedade dos ativistas LGBTs em relação a Karol; uma solidariedade que esta nem eles nunca tiveram em relação às vítimas da homofobia, ao contrário;
    2. Fake news apócrifas acusando o movimento LGBT e a esquerda de serem os responsáveis pela violência homofóbica que desfigurou o rosto da youtuber lésbica.

    Eu tenho estudado, na universidade de Harvard, o fenômeno das fake news e sua articulação com os discursos de ódio. Impressiona-me ainda a velocidade com que mentiras e distorções que favorecem a extrema-direita são postas em circulação nas mídias sociais. Ainda ontem em conferência na UQAM (Universidade de Montreal, no Quebec), analisando as fake news contra Marielle Franco divulgadas horas depois de seu assassinato, ressaltei o quanto os objetivos das fake news são (re)conciliar seus receptores com seus preconceitos, ódios e medos; impedir a conscientização e drenar a empatia.

    No caso das fake news em relação à agressão contra Karol “Eller”, aos objetivos acima mencionados, soma-se o de esconder a evidente motivação homofóbica da violência física que ela sofreu. A produção e a circulação imediata dessas fake news visam não só negar, para a base eleitoral de Bolsonaro, a existência da homolesbotransfobia, mas também criminalizar o movimento político que a denuncia e enfrenta.

    Trata-se da estratégia mais perversa contra as pessoas LGBTs: ao mesmo tempo que negam a homofobia, acusando o movimento LBTQ de “vitimista” ou “gayzista” por denuncia-la, os bolsonaristas a perpetram de diversas maneiras. Porém, quando uma das vítimas dessa violência é um lésbica cheia de homofobia internalizada, ao ponto de ela mesma acusar ativistas LGBTs de “vitimistas” e se aliar ao bolsonarismo, servindo de pano para “limpar o trabalho sujo do fascismo”, como disse a escritora Toni Morrison; quando isso acontece, desnudando a violência homofóbica antes negada, o sistema de produção e divulgação de mentiras dos bolsonaristas coloca imediatamente em circulação nas redes sociais digitais fake news responsabilizando o movimento LGBTQ e a esquerda pela agressão à lésbica que lhe serve de pano.

    Não me espantará se a própria vítima aderir às fake news. Em post, ela disse que está sem condições de falar sobre o assunto, já que seu rosto está desfigurado pela violência. Karol já expressou antes e claramente sua homofobia internalizada ao se identificar com o discurso de um candidato como Bolsonaro. Se ela aderir às fake news acerca da violência que sofreu para não dar razão aos ativistas e para sustentar sua posição de cabo-eleitoral de Bolsonaro, não será uma surpresa! O fato de ser gay, lésbica ou trans não livra uma pessoa de ser mau-caráter e só pensar em si.

    Esse caso é exemplar da dupla e simultânea violência produzida pela homofobia: por um lado ela é perpetrada, na maioria das vezes com uma violência chocante, e, por outro, ela busca se esconder em discursos e fake news que não só negam sua existência, mas, principalmente nos casos em que não pode se disfarçar, tentam culpar o movimento que se organiza contra ela, a homofobia.

    E quase sempre a homofobia sai vitoriosa porque encontra, entre as suas vítimas em potencial (ou, em algumas situações, na vítima em particular ou nos familiares desta em caso de homicídio), os cúmplices desse ardil.

    A homofobia é uma violência perpetrada sobre os nossos corpos por diferentes dispositivos e instituições, mas que nos afeta por dentro, sujeitando-nos desde a mais tenra infância e nos impedindo desde muito cedo a nos identificar com nós mesmos ou, dito de outra maneira, impedindo-nos de estar em sintonia com nosso desejo sexual ou com a percepção que temos de nós mesmos em se tratando das performances de gênero; fazendo-nos introjetar, desde crianças, um ódio mais ou menos inconsciente de nós mesmos e, portanto, uma desidentificação com aqueles que são como nós.

    A homofobia se manifesta na forma do insulto e/ou violência física por parte de pessoas heterossexuais e cisgêneros contra nós LGBTs, mas também na vergonha de si cultivada por muitos homossexuais e transgêneros, em muitos casos até mesmo depois da inevitável “saída do armário”.

    A homofobia também se manifesta no silenciamento e na difamação de suas vítimas e/ou de quem luta contra ela. E, por fim, expressa-se na tentativa de impedir, por meio de mentiras e fake news, a identificação de LGBTs como o movimento político de emancipação e igualdade.

    Só a saída do armário (assumir-se!), o orgulho de si, o conhecimento e a solidariedade entre nós podem nos salvar desse horror.

    Seja qual for a postura de Karol “Eller” – se vai despertar ou se seguirá uivando com os lobos – deixo aqui minha solidariedade a ela, a solidariedade que ela nunca teve em relação a mim nem a outras vítimas da homofobia alimentada pelo governo que ele ajudou a eleger.

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    A novela e a série da Globo que cruzam fronteiras http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/16/a-novela-e-a-serie-da-globo-que-cruzam-fronteiras/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/16/a-novela-e-a-serie-da-globo-que-cruzam-fronteiras/#respond Mon, 16 Dec 2019 20:52:20 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=343

    Diulgação/Globo

    Uma pequena trégua na luta contra o governo fascista de Bolsonaro para me dedicar, neste texto, à fruição de duas ficções audiovisuais lançadas recentemente pela Globo e à interpretação de seus significados: “Amor de Mãe”, novela de Manuela Dias, e “Eu, Minha Vó e a Boi”, de Miguel Falabella. Que a gente vai se entretendo, vai sorrindo, vai cantando, e a gente vai curtindo e também vai se amando senão ninguém segura esse rojão!

    “Amor de Mãe” é uma novela fruto de -e que, ao mesmo tempo, representa- um conjunto de valores em crise, os valores que ainda sustentam a decadente dominação masculina. É a história de três mulheres enredadas entre si por suas conflituosas maternidades que se cruzam por diferentes motivos ao longo do tempo, tecendo, assim, para o espectador, uma inteligente e emocionante trama entre os personagens que as circundam.

    Lourdes (Regina Casé), Vitória (Thaís Araújo) e Telma (Adriana Esteves) são os pontos de origem de uma colcha que Manuela Dias vai tecendo aos poucos, envolvendo mais o espectador à medida que se revela e seu bonito desenho vai fazendo sentido, completando-se. As três atrizes estão maravilhosas, sem hierarquia nas interpretações. E creio que a amizade entre elas tenha ajudado a dar carisma e verossimilhança às relações entre suas personagens.

    Não escolho por acaso a palavra “colcha” para me referir à “Amor de Mãe”. É tradição, em muitos e diferentes lugares, mulheres se juntarem para criar colchas enquanto contam (suas ) histórias e mudam (suas) vidas.

    Nota-se que, ao fim e ao cabo, todas as linhas ou todos os retalhos presentes ou que ainda serão apresentados pela autora, mesmos os aparentemente a princípio banais e/ou sem encaixe, farão sentido quando a colcha estiver pronta, e terão contribuído para sua beleza final. Sem qualquer deles, a trama resultaria incompleta.

    Não se trata de novidade em termos de dramaturgia. Manuela Dias bebeu em diferentes fontes. Não só no roteiro de filmes mais ou menos recentes como “Traffic”, de Steven Sorderbergh (2000), e “Babel”, de Alejandro Iñarritu (2006), mas, antes e sobretudo, no repertório de tramas escritas por Janete Clair e seus discípulos Gilberto Braga, Ricardo Linhares (que, não por acaso, supervisiona o texto de “Amor de Mãe”), Aguinaldo Silva e Miguel Falabella; que, por sua vez, beberam na fonte dos folhetins do século 19 escritos por José de Alencar, Bernardo Guimarães e Machado de Assis, para citar só três exemplos.

    Para acompanhar essa estrutura de narrativa proposta por Manuela Dias, em seu flerte simultâneo com o cinema de arte e a telenovela, José Luiz Vilamarim, em termos de direção artística, explora longos planos sequências, profundidade de campo e câmeras na mão, que respiram, além de recorrer às elipses temporais e à complementaridade -e não tautologia- entre a fala do personagem e o que se mostra ao espectador simultaneamente.

    Assim como sua trama, o produto audiovisual “Amor de Mãe” também parece feito como uma colcha. E, nesse sentido, a emocionante trilha sonora –feita principalmente com canções do gênero musical conhecido como MPB– contribui muito para a conexão afetiva do espectador com os personagens e para que aquele compreenda os mundos interiores destes.

    A novela é sobre a crise do patriarcado –representada também na crise da televisão como tecnologia da comunicação e da informação e, em se tratando de Brasil, na crise da hegemonia da própria Globo, perdida na encruzilhada entre continuar liberal sem os privilégios conquistados durante a ditadura militar ou ceder ao reacionarismo do governo fascista que ajudou a eleger para manter alguns desses privilégios antigos.

    É sobre as novas masculinidades, mas também é sobre o quê da dominação masculina que ainda resiste e vitima as mulheres e LGBTs: do relacionamento abusivo ao estupro, passando por obsessão pela maternidade ou negação desta.

    A fotografia de Walter Carvalho é sombria justamente para representar esse lusco-fusco. Capta bem a tristeza de uma cidade que um dia se imaginou maravilhosa, mas que não o é de fato, embora possa vir a ser dia, quando sua gente entender o que diz a canção de Gonzaguinha que está na abertura da novela.

    “Eu, Minha Vó e a Boi” –a série do genial Miguel Falabella– também não subestima a inteligência do espectador. Além de abrir um diálogo da teledramaturgia com as narrativas que circulam nas mídias sociais digitais, aproximando suas audiências –a série é baseada numa história contado por meio de posts feito por Eduardo Hanzo em seu perfil no Facebook–, “Eu, Minha Vó e a Boi” dialoga também, em termos de atitude, com a dos artistas da Semana de 22 e do Tropicalismo, e, antes, com a dos ameríndios que devoraram o colonizador para incorporar sua força.

    A série é uma crônica triste, mas bem-humorada da família como fonte de ódio (em contraponto a todos os discursos que dizem que ela é – e a representam como – apenas fonte de amor). Contada do ponto de vista do personagem Roblou (corruptela brasileira do nome do ator norte-americano Rob Lowe), jovem de 18 anos que vive no fogo cruzado da rivalidade histórica entre duas vizinhas de porta –Turandot e Yolanda, vividas respectivamente por Arlete Salles e Vera Holtz– e que são, por acaso, suas avós materna e paterna. Roblou é interpretado por um ator jovem que promete ser grande: Daniel Rangel.

    Sendo a família –em seus múltiplos arranjos– uma célula da sociedade, o ódio que divide a família de Roblou aparece em cena como uma doença que ameaça se alastrar para todo o corpo social. O ódio é representado também como uma rede subterrânea de dejetos –como o rede de esgotos de um bairro– que pode se romper num valão a qualquer momento, seja na rua, seja na alma.

    A trama e o texto de Miguel Falabella são ainda melhores do que os de sua obra-prima “Pé na Cova”. Sua capacidade singular de fazer o espectador rir, chorar e pensar numa mesma sequência é admirável. E o elenco é um primor, com destaque para as talentosas atrizes. Stella Miranda, Eliana Rocha, Josie Antello e mesmo a jovem Valentina Bulc se erguem à altura das personagens de Falabella.

    Danielle Winits, Alessandra Maestrini e Giovana Zotti estão maravilhosas! O trânsito sutil que fazem da comédia para o drama (às vezes e propositadamente para o melodrama) –sem resvalar em momento nenhum na caricatura– é tarefa de grandes atrizes. E, por falar em grandes atrizes, Holtz e Salles estão soberanas!

    Não que os atores e os personagens masculinos sejam ruins ou medíocres. Longe disso. É que Falabella, assim como Almodóvar, Ryan Murphy e outros criadores gays (na verdade, nós gays em geral) temos uma predileção por atrizes e personagens femininos! Trata-se de amor de mãe mais ou menos inconsciente e sutilmente negado a filhos gays e que engendra uma relação complexa entre estes e as mulheres em geral; uma outra maneira de lidar com as performances dos gêneros baseadas na diferença entre os sexos.

    “Amor de Mãe “ e “Eu, Minha Vó e a Boi” flertam de formas diferentes com o cinema e propõem caminhos distintos para contar conhecidas histórias em meios de comunicação em transformação. A novela flerta com o cinema independente e o documentário. Já a série com o cinema comercial hollywoodiano (um deboche com a maneira como a indústria cultural americana entrou em nossas vidas e com a maneira como resistimos a ela).

    Isso põe a série de Miguel –apesar e por causa do pastiche inteligente e bem-humorado que faz das séries e do cinema comerciais americanos (dos planos e enquadramentos ao figurino de Cao Albuquerque, passando pela fotografia)– mais próxima do cinema de Almodóvar.

    E ambas – série e novela – estendem o debate sobre o fim das fronteiras de gênero, desta vez entre as narrativas audiovisuais.

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    O tempo e a pele da justiça http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/05/o-tempo-e-a-pele-da-justica/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/12/05/o-tempo-e-a-pele-da-justica/#respond Thu, 05 Dec 2019 14:48:13 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=337

    MBL com Eduardo Cunha, em maio de 2015, antes de o pedido de impeachment de Dilma Rousseff ser protocolado – Crédito: Facebook/MBL

    Confio no tempo desde que o vi pela primeira vez –ou desde sua primeira aparição em minha vida– quando eu ainda era uma criança. Notei, já àquela época, que, mesmo demorando às vezes, o tempo sempre tece ou recompõe a pele da justiça, quase sempre com o pêlo dos injustos.

    Em sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news, a deputada do PSL Joice Hasselman disse à deputada Carla Zambelli, também do PSL, que o presidente da República, Jair Bolsonaro, perguntou-lhe se esta fora prostituta na Espanha. Na mesma sessão, o deputado Nereu Crispin, do mesmo PSL, elencou uma série de correligionários que caluniam, assediam, ameaçam e difamam sua família.

    Já na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado estadual Arthur “Mamãe Falei” (sim, é esse nome constrangedor mesmo), também do PSL, fez provocações com insultos e gestos obscenos contra um colega de parlamento. “Mamãe Falei” é um dos líderes do MBL, a organização que abriga o vereador Fernando Holliday, que, após visita aos EUA custeada pelo Departamento de Estado Americano, descobriu –oh!– que a homofobia existe na direita e contou isso em artigo na Folha de São Paulo (tão jovem na política, mas já tão cínico!)

    O tempo começa a mostrar a verdadeira face dos lobos que, fantasiados de ovelhas (de “honestos”, “cidadãos de bem”, “defensores da família”, “cristãos devotados” e “recatadas e do lar”), disseminaram o ódio e as mentiras que adoeceram a democracia e a sociedade brasileiras. E a grande ironia dessa justiça tecida pelo tempo é que esta é feita dos fios dos pêlos dos lobos disfarçados de ovelhas que passaram a atacar outros lobos disfarçados de ovelhas no afã de devorar mais carne. E assim toda a alcateia começa a se mostrar em sua feracidade e violência antes disfarçadas.

    O MBL é uma organização criminosa. Uma alcateia de lobos famintos. Seus membros –financiados pelos artífices do golpe parlamentar contra a presidenta eleita Dilma Rousseff– emergiram na esfera pública divulgando mentiras e teorias conspiratórias em massa; caluniando pessoas públicas; assediando e insultando violentamente políticos (até mesmo em hospitais e cemitérios) para produzir vídeos constrangedores que eram compartilhados em redes sociais digitais numa velocidade que só o dinheiro sujo poderia proporcionar.

    O MBL fez emboscadas contra pessoas em aeroportos e estúdios de rádio; usou de violência física contra outras em livrarias e exposições de arte; ameaçaram organizadores de eventos em universidades; e demonizaram pessoas com fake news de tal forma que estas passaram a correr risco de morte aonde quer que fossem.

    O MBL usou mentiras homofóbicas –recorreu à homofobia!– para criar um pânico moral em torno da exposição “Queer Museu”, acabar com a carreira do ator e dançarino Wagner Schwartz e desprestigiar a artista plástica Adriana Varejão. A homofobia presente nessa página infeliz da nossa história recente –na qual Fernando Holliday e seu MBL figuram como protagonistas– é a mesma homofobia que resulta na alarmante estatística de mais de 300 LGBTs assassinados por ano no Brasil.

    O MBL se aliou ao corrupto Eduardo Cunha –com direito a foto sorridente para posteridade– e montou, na frente do Congresso Nacional, um acampamento falso, de onde partiram tiros de revólver contra a marcha de mulheres negras na Esplanada dos Ministérios.

    Os lobos do MBL deram origem a uma nova alcateia: o PSL, partido que se ergueu cometendo os crimes de calúnia, injúria e difamação. Seu candidato (Jair Bolsonaro) –hoje presidente da República– mentiu descaradamente na bancada do Jornal Nacional, apelando à homofobia social ainda vigente no Brasil (homofobia que era perpetrada como plataforma de campanha eleitoral por todos os candidatos do partido em todo país). Do PSL é o deputado que se elegeu difamando Marielle Franco depois de esta ter sido barbaramente assassinada por sicários intimamente ligados à família de Bolsonaro e quebrando uma placa em sua homenagem.

    Ora, ainda estamos por entender como a maioria do rebanho de ovelhas eleitoras brasileiras pode escolher lobos tão mal disfarçados para guia-la. Como essas ovelhas não notaram pele tão tosca escondendo os predadores? Sim, muitas ovelhas são ingênuas e crédulas, e por isso incapazes de notar o perigo disfarçado. Mas outras talvez abriguem, no fundo de si mesmas, um lobo interior ou uma vontade enorme de uivar com os predadores, e, por isso, não se importem que todo o rebanho seja destroçado pelos lobos de verdade.

    Assistir à sessão da CPMI das fake news e ver os membros do PSL acusando uns aos outros dos crimes que sempre soubemos que eles perpetraram é como ver lobos se atacando ante o rebanho de ovelhas perplexas. Saber que “Mamãe Falei” vai parar no conselho de ética por causa de sua conduta predatória é ver um lobo deixando cair seu tosco disfarce de ovelha. E ler Fernando Feriado na Folha de S.Paulo é ver o desespero da ovelha escrota identificada com o lobo mais feroz tentando sobreviver ao mal a que ela mesma expôs o rebanho.

    Confio tanto no tempo! Apesar das ovelhas já destroçadas e daquelas que estão feridas, acredito que o tempo está agindo em favor do rebanho e tecendo, aos poucos, e com os pêlos que um lobo está arrancando do outro, a justiça que se concluirá e estenderá sobre nós.

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    O que Gabigol fez conosco? (Para não dizer que não falei do Flamengo) http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/25/o-que-gabigol-fez-conosco-para-nao-dizer-que-nao-falei-do-flamengo/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/25/o-que-gabigol-fez-conosco-para-nao-dizer-que-nao-falei-do-flamengo/#respond Mon, 25 Nov 2019 13:17:46 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=329

    Reprodução

    A amizade faz coisas que até mesmo Deus e os orixás, se existem de fato, duvidam. Meus amigos em Boston, em especial o professor Sidney Chalhoub e a doutoranda Eduarda Araújo, convenceram-me a assistir à final da Libertadores da América com eles e outros brasileiros torcedores do Flamengo.

    Bom, não é segredo para ninguém que futebol não é a minha praia em nenhuma de suas modalidades (nem mesmo o próprio futebol de praia!). Apenas em Copas do Mundo passadas, envolvido pelo clima geral de festa, do qual quase nunca se consegue escapar por completo, detive-me diante da tevê para assistir a algum jogo da Seleção Brasileira. Mas sempre prestando atenção em outras questões que não a partida em si mesma.

    Observo o futebol à distância (uma distância em que me coloquei para não ser vítima de sua homofobia). E, vendo-o assim, sempre esteve claro, para mim ao menos, em que pesem algumas “torcidas gays” aqui, um jogador ou juiz mais ou menos fora do armário lá e o futebol feminino acolá, que o futebol é uma sociabilidade masculina que se afirma contra a homosexualidade e se ergue na derrisão da condição da mulher. Já sofri muitos insultos e ameaças motivados por homofobia de homens torcedores de futebol por ter feito essa constatação óbvia antes. Eram torcedores homofóbicos usando a homofobia para negar a afirmação de que são homofóbicos. Cômico se não fosse trágico.

    Mas o amor pelos meus amigos e o prazer de estar com eles me fizeram assistir à final da Libertadores.

    O acontecimento daria mais que este artigo (um ensaio no mínimo, e talvez eu o escreva mais para frente) tantas eram as camadas de sentidos que se sobrepunham na sala daquela casa, a de Eduarda; tantos eram os fios das redes tecidas ali; tantas e coloridas eram as linhas de lutas que se atravessavam naquelas pessoas que ali se reuniam e em suas falas; tantos eram os nós de opressões que se desatavam naquele momento…

    Para início de conversa, estávamos na casa de uma mulher que nos convidara a assistir não a uma série da Netflix, mas a uma partida de futebol. Até meados do jogo, Sidney Chalhoub era o único homem heterossexual da casa. Os demais torcedores eram sete homens gays e quatro mulheres.

    Perguntei a Chalhoub: “Quando antes você foi minoria sexual na final de um campeonato de futebol? Como se sente hoje?” Ele riu e nos disse: “É. Hoje eu não posso em hipótese alguma chamar o juiz de ‘bicha’ se ele errar, coisa que, confesso com vergonha, cresci fazendo nos estádios que frequentei até pouco tempo”.

    Aliás, a chegada de seu filho –igual a ele não só em orientação sexual e semelhança física, mas em termos de performance corporal de gênero– fez-me lembrar do que diz Marcel Proust sobre o imperativo dessa ordem cultural de transformar, como a criação e o passar do tempo, os filhos homens em seus pais e as filhas em suas mães, e de como nós –gays, lésbicas e pessoas trans– resistimos a (e nos debatemos com) esse imperativo, distanciando-nos da ordem cultural, mas sempre profundamente marcados por esta. A nossa relação conflituosa com o futebol –ora de atração, ora de repulsa– é só um pequeno exemplo da resistência de LGBTs em relação ao imperativo sociocultural que quer nos fazer –e quase sempre mais ou menos nos faz– cópias de nossos pais e de nossas mães.

    Dois dos gays na sala eram flamenguistas fanáticos. A cada lance dos jogadores do time que aproximava a bola do gol, eles pulavam, gritavam, xingavam com uma paixão sincera e verdadeira que eu só tinha visto até então em torcedores heteros. Aliás, os homens heteros da sala eram até mais comedidos que eles. Por causa deles, eu descobri –e prestei atenção em– Gabigol (ou Gabi Gol, não sei como se escreve o nome desse atleta).

    Com seu cabelo descolorido e “sidecut”, corpo moreno musculoso coberto de tatuagens e barba grande, o jogador expressa as mesmas estética e performance de masculinidade que têm mobilizado a libido da maioria dos homens gays já há algum tempo, tanto que elas são muito comuns nas pool parties, clubes e filme pornôs gays, amadores ou profissionais.

    Quando tirou a camisa e se dirigiu ríspido e viril ao juiz, Gabigol moveu a paixão dos homens e mulheres da sala, independentemente de suas orientações sexuais e motivações conscientes e/ou inconscientes. No subterrâneo dos gritos e observações sobre ele e sobre o jogo, desconstruções e reconstruções de subjetividades aconteciam. Eu, por exemplo, não sei avaliar se ele é um talento como atleta como posso reconhecer que ele tem um carisma e que não dormiria no sereno se batesse à minha porta de noite…

    O Flamengo venceu a Libertadores. E quando a vitória se anunciou, em consonância com os flamenguistas que estavam lá no estádio, todos e todas na sala trataram Jesus, o técnico, como se fosse aquele Jesus que dizem ser o filho de Deus, que foi torturado e crucificado por fascistas, que, à época, não tinham esse nome, e que, contudo, está por voltar para redimir nossos pecados.

    Os flamenguistas daquela sala estavam felizes com a vitória de Jesus, o técnico, pelo fato de este ser um dos poucos obstáculos ao flerte do Flamengo com os fascistas do Rio de Janeiro, sejam os que estão com Bolsonaro, sejam os que se bandearam para o lado do governador Wilson Witzel, cuja polícia militar vem, em suas operações, matando pessoas justamente em territórios onde o time mais angaria torcedores. Se esse técnico perdesse aquele jogo, o Flamengo sofreria o rompimento da pequena barragem que –não só nele, mas em todo e qualquer time de futebol masculino– contém seus rejeitos tóxicos.

    Portanto, todas as pessoas daquela sala da casa de Eduarda foram quase ao orgasmo quando Gabigol aparentemente tratou com desdém –quase com nojo mesmo– o gesto populista do governador fascista Wilson Witzel, que se ajoelhou diante dele em campo depois da vitória do Flamengo. Gabigol seria, enfim, o atleta do futebol brasileiro que esperávamos depois de Sócrates: aquele que, graças ao seu talento, visibilidade e dinheiro, mas sobretudo por princípios éticos, rejeitaria veementemente a bajulação de tiranos e se colocaria ao lado da democracia e dos mais fracos. O jogador seria, naquele momento e no terreno do fascismo, a extensão dos sentimentos de todos os que lutamos pela democracia no Brasil.

    A foto em que Gabigol aparece sorridente ao lado de Wilson Witzel, publicada hoje, deu um banho de água gelada nas expectativas antifascistas dos flamenguistas democratas e membros das minorias sexuais. Gabigol não me decepcionou porque não tenho expectativas políticas positivas em relação a jogadores de futebol brasileiro e este hoje só me interessa como chave de interpretação da cultura (à distância). Porém, ainda que o jogador não tivesse apreço pelo fascismo, este saberia como obrigá-lo a negar publicamente esse desapreço.

    A foto de Gabigol com Witzel é só a prova de que não podemos dar certas batalhas como vencidas a priori.

    Sempre existem as traições. E sempre existem as coerções.

    Luta que segue!

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    A aliança do mal http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/14/a-alianca-do-mal/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/14/a-alianca-do-mal/#respond Thu, 14 Nov 2019 21:50:18 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=322 A extrema-direita direita cristã fundamentalista, racista e homofóbica que sustenta o governo Bolsonaro no Brasil decidiu se apropriar do Anel de Möebius como seu símbolo da mesma forma que os nazistas na Alemanha dos anos 30 se apropriaram da Cruz Suástica. O logotipo da Aliança pelo Brasil – o novo partido do Bolsonaro – é, assim como o adotado no passado pelo partido de Hitler, um símbolo universal. A história já se repete como farsa.

    O recente golpe que uniu militares e cristãos fundamentalistas racistas, com o amplo apoio das oligarquias locais e sua imprensa, contra o presidente Evo Morales na Bolívia – em que pese o malabarismo (para não dizer desonestidade) intelectual de cientistas políticos neoliberais para negar este golpe e tratá-lo como “restituição democrática” – e o lançamento do novo partido de Bolsonaro três dias depois não são mera coincidência. Tampouco é coincidência a invasão, na sequência, da embaixada da Venezuela no Brasil com o beneplácito do governo Bolsonaro.

    Vamos dar o nome certo ao que está acontecendo? Trata-se de avanço escancarado do fascismo. Sim, fascismo. Desde 2015, quando a filósofa Márcia Tiburi e eu decidimos tratar os discursos e as práticas fascistas da extrema-direita que ascendia juntamente com Bolsonaro, com o apoio dos partidos de direita antipetista (PSDB, DEM, PSC, PPS e PP) que já abrigavam alguns de seus porta-vozes, desde aí, a imprensa comercial e alguns intelectuais vêm se recusando a usar o termo certo para designar aquelas práticas e discursos e a alertar a opinião pública sobre o perigo que o fascismo representa.

    Ora, não podem, nessa altura do campeonato, e testemunhando os horrores que se multiplicam, a imprensa e intelectuais liberais no Brasil seguirem tratando o fascismo com outro nome (e sem explicá-lo devidamente às pessoas). E se seguem mascarando a realidade dessa forma, apesar dos males evidentes, é porque estão tirando proveito desse fascismo. Sem este e sua promessa de violência, a política econômica injusta do ministro de Bolsonaro, Paulo Guedes, que retira direitos dos trabalhadores e da classe média e assegura privilégios aos mais ricos, não estaria sendo implementada.

    As práticas de violência política, censura e racismo religioso do fascismo à brasileira só vêm sendo tratadas com condescendência por parte da imprensa comercial (até mesmo pela Folha de São Paulo) porque, sem estas práticas, o programa neoliberal imposto radicalmente ao Brasil desde o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff já teria sido rejeitado por massas de trabalhadores nas ruas, como acontece no Chile nesse momento.

    A aliança que a novo partido de Bolsonaro propõe é tenebrosa e desde já aprofunda a vulnerabilidade dos liberais nos costumes (de quem é a favor da legalização da maconha e do aborto, por exemplo), das pessoas identificadas com a esquerda e de todas as pessoas que não professam o cristianismo fundamentalista como fé. Isto porque se trata explicitamente da aliança entre forças armadas (membros das polícias militares e civis) e fanáticos religiosos (cristãos fundamentalistas das igrejas neopentecostais, muitas das quais já servindo de lavanderia para o dinheiro sujo de organizações criminosas como as milícias).

    O golpe na Bolívia tem nos mostrado do que essa aliança é capaz. As milícias cristãs fundamentalistas racistas que depuseram Evo Morales e perpetram violências contra indígenas e pessoas democratas que resistem ao golpe nos revelam que essa aliança é a grande ameaça à democracia na América Latina. Porque associa a lógica militarista (a eliminação do inimigo) – e o treinamento para o funcionamento desta lógica – à crença fundamentalistas das religiões monoteístas de que LGBTs e infiéis (os que professam outra fé ou são ateus) são os inimigos aos quais só restam duas saídas: a conversão e a renúncia de si ou a morte.

    A cooptação de parte do braço armado do Estado pelo fundamentalismo cristão põe em risco a diversidade política, sexual e de gênero, étnica e religiosa. E levanta no horizonte sombrio o risco permanente de massacres e genocídios, como já aconteceram na Turquia (com os curdos); na Birmânia (com os rohingya); em Ruanda (com os tutsis e twa); e com os judeus e homossexuais (na Alemanha nazista), para citar alguns.

    Há, por trás dessa aliança, o dinheiro da extrema-direita cristã e supremacista branca americana. Aliás, o uso da Fita de Möbius (ou Anel de Möebius) na logomarca da Aliança pelo Brasil mostra que o imbecil violento Bolsonaro está apenas servindo a uma inteligência desta extrema-direta – Steve Bannon – que quer destruir a democracia.

    Trata-se, portanto, de uma aliança do mal não só contra o Brasil democrático e diverso.

    Oxalá consigamos impedir que a história se repita como tragédia!

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    A imprensa comercial na encruzilhada http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/11/a-imprensa-comercial-na-encruzilhada/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/11/a-imprensa-comercial-na-encruzilhada/#respond Mon, 11 Nov 2019 13:15:55 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=314 Lula (sua sagacidade e carisma políticos, sua incrível história de vida, seu sólido e resistente partido político, seus governos e sua liberdade) produz –entre os outros impactos na esfera pública brasileira– a opção ou a sujeição da maioria dos jornalistas da imprensa comercial que cobrem os fatos da política à mediocridade intelectual, ao ressentimento e à sabujice.

    As raras exceções confirmam essa regra de que, quando se trata de Lula e do PT (sobretudo em relação à identificação destes com a agenda política da esquerda anticapitalista, anti-imperialista e antirracista), os jornalistas da cobertura política da imprensa comercial se esforçam mais para defenderem a realeza do que os próprios reis. Sempre buscando disfarçar essa bajulação todavia. Dessa vez, disfarce é afirmar que existiria uma equivalência entre Lula e Bolsonaro no trato com a imprensa comercial, em particular com os veículos da Globo. Nada mais falso.

    Vejamos. Desde que o Supremo Tribunal Federal fez justiça e reafirmou a presunção de inocência prevista como cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988 –a única vitória da democracia desde o golpe de 2016 contra a presidenta eleita Dilma Rousseff– a maioria dos jornalistas da cobertura política, em particular os da Globo News, decidiram “discordar” da decisão da Suprema Corte por meio de uma sucessão constrangedora de lugares-comuns e de um sensacionalismo alarmista sobre uma improvável libertação de homicidas e estupradores.

    Há apenas duas hipóteses para explicar tal reação diante da decisão do STF: 1) ou a cobertura política está sendo feita por idiotas desinformados, beirando o analfabetismo político; ou 2) (a mais provável) a maioria dos jornalista optou deliberadamente pela desinformação da opinião pública ao saber que a decisão judicial tiraria Lula da prisão onde injustamente esteve nos últimos quase 600 dias– prisão estimulada e festejada por esses mesmos jornalistas e seus veículos à época.

    Até mesmo em Proposta de Emenda à Constituição pelo Congresso Nacional como reação à decisão da Suprema Corte já se falou na imprensa comercial. Não, meus caros, o Legislativo não pode revogar a presunção de inocência por meio de PEC. A garantia de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória é direito individual (Art. 5º, LVII, CF), cláusula pétrea, reitero (e se vocês desconhecerem a etimologia da palavra “pétrea”, sugiro que pesquisem em fontes seguras antes de emitirem suas opiniões), logo, não pode ser abolida por emenda.

    A passagem da desinformação sobre a decisão do STF para o discurso da falsa equivalência entre Lula e Bolsonaro se deu rápido, uma vez que a liberdade de Lula reacendeu os ânimos da nação, eu diria a vitalidade e a alegria mesmas, drenadas pela política econômica da direita combinada com a política de ódio da extrema-direita no poder. O motivo para essa falsa equivalência foram as críticas contundentes que Lula fez à imprensa comercial, em especial à Globo, em seu potente discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

    Não só a Rede Globo, que, em sua nota oficial, referiu-se às críticas de Lula como “ataques”, mas até mesmo ”digital influencers” desde sempre tragados pela lógica de mercado e alienados dos embates políticos históricos que forjam a nação brasileira decidiram comparar as críticas de Lula à imprensa comercial aos insultos e tentativas de censura perpetrados por Bolsonaro.

    Vamos ser honestos? Lula não “ataca” a imprensa comercial (em especial a Globo). Ele se defende de ataques recorrentes e históricos a ele por parte desta imprensa, à qual, mesmo assim, sempre respeitou quando presidente da República e jamais a boicotou economicamente como o tenta fazer Bolsonaro. Durante os governos Lula e Dilma, a imprensa comercial prosperou economicamente e gozou de toda liberdade, inclusive a de mentir descaradamente ou a de fazer manipulações contra Lula e o PT, apesar dos evidentes benefícios econômicos que estes lhe traziam.

    As fontes primárias da história estão aí para provar o que estou afirmando.

    Diante dos 580 dias que Lula passou na prisão injustamente; da divulgação da ficha falsa de Dilma; da manipulação descarada do debate eleitoral de 1989; da criminosa associação dos seqüestradores de Abílio Diniz com o PT e dos comentários odiosos de Merval Pereira, Augusto Nunes e Gerson Camarotti –para ficarmos só na ponta do iceberg de, agora sim, ataques vis perpetrados pela imprensa comercial contra Lula e o PT ao longo das últimas quatro décadas– diante desse horror difamatório, as críticas de Lula soam apenas como uma tímida e educada resposta.

    A equiparação do ex-presidente a Bolsonaro é injusta e irresponsável porque não está amparada nos documentos nem na memória históricos. Mas não é inocente, embora tente se camuflar numa falsa ”isenção da cobertura política”.

    Lula tem todo o direito –e mesmo o dever!– de ser incisivo nas críticas a uma imprensa que foi capaz de colaborar com sua prisão ilegal e injusta para tirá-lo das eleições e, assim, assegurar a implementação da agenda econômica que beneficia seus donos (mas não os jornalistas que a sustentam; que o digam os “passaralhos” que voaram sobre as redações nos últimos meses), mesmo que, para tanto, fosse preciso a aliança dos donos dessa imprensa com um fascista e as organizações criminosas que lhe sustentavam eleitoralmente.

    Em seu maravilhoso livro “Na contramão da liberdade: a guinada autoritária nas democracias contemporâneas”, o historiador Timothy Snyder argumenta que o uso de fake news e outras “ficções políticas” por parte de líderes da extrema-direita ou governos autoritários como o chinês e o venezuelano –e também e sobretudo por parte da imprensa comercial e/ou estatal que lhes apoiam direta ou indiretamente– ressuscitou o jornalismo investigativo em uma imprensa independente e plural demandada por um número cada vez mais crescente de pessoas na internet.

    De fato, no Brasil, não foram os grandes veículos da imprensa comercial que empreenderam a Vaza Jato, mas, sim, The Intercept, site de jornalismo independente. Só depois, optando pelo melhor caminho diante da encruzilhada em que se encontra a imprensa comercial brasileira, a Folha de S.Paulo se abriu para a denúncia da fraude em que descambou a Lava Jato de Moro e Dallagnol, sendo seguida, de maneira mais vacilante, por outros veículos, exceto pelos da Globo, que insistem na mistificação da Lava Jato.

    Sendo assim, o jornalismo na imprensa comercial brasileira (salvas as raras exceções, inclusive na própria Globo, como, por exemplo, o Profissão Repórter e algumas matérias no Fantástico sobre os temas que não estejam diretamente ligados à disputa eleitoral nem à manutenção dos privilégios da elite econômica do país) optou –nessa encruzilhada em que Lula e as reações globais ao neoliberalismo e ao autoritarismo lhe colocam– pelo suicídio por meio do ativismo político-partidário em favor de plutocratas de direita, do flertes com as fake news e da interpelação do ódio de quem ainda lhes resta de audiência.

    Uma pena.

    Mas talvez só assim possa emergir um jornalismo mais fiel ao objetivo de informar com isenção verdadeira, amparada em fatos, e de se contrapor aos abusos do poder político e econômico.

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    Querida Dilma http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/06/querida-dilma/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/06/querida-dilma/#respond Wed, 06 Nov 2019 13:47:26 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=308

    Reprodução

    Querida Dilma,

    Meu coração simultaneamente apertou e acelerou quando li a notícia de que um delegado da Polícia Federal, aliado do ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, pediu sua prisão.

    De imediato, eu não pensei na explícita prática de lawfare que este pedido de prisão absurdo representa; não pensei na estratégia do canalha em criar, com este factóide, uma cortina de fumaça que impeça a maioria do povo brasileiro de ver a entrega do petróleo do pré-sal por parte do governo Bolsonaro (com apoio de plutocratas que apenas fingem se importar com o desapreço deste pela democracia); nem pensei nos ensaios de fechamento do regime que esses fascistas organizados em seitas religiosas e organizações criminosas fazem todo dia para testar os limites de uma nação agora adoecida por ter se recusado a trabalhar traumas como a escravatura e os terrorismos das ditaduras…

    Ao ler a notícia, eu só pensei em você, minha amiga. Primeiro naquela senhora que me abraçou demorado –seu cheiro bom, aquele cheiro de afeto que os filhos identificam em mães amorosas ainda está está na minha lembrança como se eu tivesse acabado de lhe abraçar– naquele restaurante japonês em Copacabana, onde jantamos em companhia do historiador americano James Green. Aquela senhora que me aconselhou a sair do país por reconhecer que eu realmente estava correndo risco de morte. Aquela senhora que, num dado momento da conversa, chamou-me de “meu filho”…

    Em seguida, lembrei-me de que aquela senhora amorosa é também a estudante da foto histórica em que, após dias sob tortura por parte de covardes idolatrados hoje pelos igualmente covardes que pediram sua prisão, encara altiva seus torturadores, imorais que escondem suas caras na esperança de escapar do julgamento da história e da infâmia que a maldade joga sobre sua (a deles) descendência…

    Só depois dessa reação afetiva; dessa preocupação com a pessoa (que é avó e ama sua família); só depois disso é que, relembrando o quanto nossas histórias individuais se entrelaçaram entre si e na trama da história do Brasil, por eu ter sido o primeiro ativista gay a chegar no Congresso Nacional e você a primeira presidente da República, dei-me conta dos significados políticos e dos perigos terríveis contidos nesse pedido de sua prisão.

    As facções políticas (incluindo aí as organizações criminosas na cidade e no campo) que perpetraram o golpe contra seu governo –com o objetivo de garantir a si mesmas privilégios, lucros obscenos e impunidade em seus (delas, das facções) crimes– estão em guerra pelo poder desde então. A prisão do Lula, a intervenção militar no Rio de Janeiro feita pelo governo do crápula que lhe traiu e ao PT, Michel Temer, e a posterior execução de Marielle Franco são as consequências dessa guerra entre as forças políticas de direita que produziram a ruptura com a democracia em 2016.

    Você sabe, Dilma, que mesmo nem mesmo o alinhamento dessas facções golpistas em torno da figura de Bolsonaro nas eleições de 2018 (àquela altura já instrumentalizada e turbinada pelos plutocratas da extrema-direita americana) garantiu a paz entre elas.

    Os ricos brasileiros, os banqueiros ilustrados, os marajás do funcionalismo público, os donos de veículos de comunicação e os intelectuais endinheirados que fizeram, da Lava Jato, um complô –e do cafona e medíocre Sergio Moro, um fantoche– não esperavam que as facções criminosas com as quais se aliaram –milícias e seitas religiosas que servem de lavanderia para dinheiro sujo– fossem querer ter as rédeas do país. Mesmo assim, com todo o horror que elas vêm praticando, a Globo e a Folha de S.Paulo seguem elogiando seu ministro da Economia, como se não se tratasse do mesmo governo fascista que ameaça a liberdade de imprensa, a cultura e a laicidade –e ignoram emboscadas que matam os guardiões da Amazônia.

    Dilma, não sei se você sabe, mas, naquela noite em que teve início o golpe disfarçado de processo de impeachment, logo depois de dedicar seu voto ao torturador Brilhante Ustra (o covarde que quebrou com um soco o maxilar daquela menina da foto que é você), Bolsonaro me xingou de “queima-rosca” e me disse “tchau, querida”, numa referência à frase que o Lula lhe disse na conversa grampeada ilegalmente por Sergio Moro e divulgada pela Globo. A misoginia e a homofobia –males gêmeos– exigiram-me uma reação naquele momento. Além delas, a memória dos mortos sob as torturas perpetradas pela ditadura militar.

    Eu cuspi na cara dele por você, Dilma. Por nós.

    E, por tudo isso, mas principalmente por você, a quem poderia chamar “minha mãe”, mas chamo “minha amiga”, eu lhe peço nesta carta aberta:

    Tenha cuidado, amada! Os fascistas ressentidos de ontem e de hoje não toleram o que você representa, presidenta.

    Te amo!

    Jean Wyllys

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    Quem tem a palavra dos mortos? http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/05/quem-tem-a-palavra-dos-mortos/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/05/quem-tem-a-palavra-dos-mortos/#respond Tue, 05 Nov 2019 13:01:34 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=303

    Reprodução

    Entre as notícias sobre a explícita e inconteste degeneração das investigações acerca da encomendada execução de Marielle Franco (na qual Anderson Gomes também morreu assassinado), uma me chamou a atenção em particular e me fez refletir sobre as formas sutis, mas não menos danosas de violência perpetrada pelo Estado, e sobre a delicada questão de a quem pertence a palavra dos mortos: o fato de os pais da vereadora, dona Marinete e seu Francisco da Silva, e a esposa do motorista, Ágatha Reis, terem lamentado a saída da promotora bolsonarista, Carmen Eliza Bastos, do caso.

    Por quê?

    Como já se sabe, a promotora é membro da seita política –eivada de elementos das seitas religiosas, em especial das seitas cristãs fundamentalistas neopentecostais– que se formou em torno de Bolsonaro, e exibiu publicamente e sem qualquer conflito ético esta identificação em suas redes sociais . Não bastasse este fato, que , por si só, já torna suspeita sua participação numa investigação sobre um duplo homicídio que envolve a família de seu ídolo, Carmen Eliza Bastos tem, em sua trajetória no Ministério Público do Rio de Janeiro, tomado decisões que deveriam, no mínimo, apavorar os familiares dos mortos.

    Por exemplo, a promotora arquivou o Caso Amarildo, aquele do pedreiro torturado e assassinado por policiais militares que também deram fim ao seu corpo. Além disso, Carmen Eliza Bastos também pediu a libertação de dois policiais militares flagrados em video executando sumariamente uma pessoa desarmada e deitada no chão –policiais já investigados por outras dezenas de assassinatos de civis, inclusive de uma criança, em operações. Para completar, a promotora diz odiar “esquerdopatas”, termo pejorativo utilizado pelos fascistas da classe média brasileira para se referir às pessoas que estão filiadas a partidos de esquerda e ou militam pelos direitos humanos, como era o caso de Marielle Franco.

    Sendo assim, o que levaria seu Francisco e dona Marinete a lamentar o afastamento dessa sujeita das investigações que buscam descobrir quem mandou matar sua filha e por quê?

    Com todo respeito e carinho que tenho pela família de Marielle Franco –e durante o tempo em que presidi a Comissão Parlamentar Externa que acompanhou por quase um ano as investigações sobre o assassinato da vereadora do PSOL eu sempre fiz questão de ouvir seus familiares e ser transparente com eles– eu ouso dizer que eles estavam sendo seduzidos e, portanto, enganados pela promotora. Por extensão, pelo Ministério Público do Rio.

    É importante relembrar –e eu aconselho a imprensa brasileira a ler o relatório que a Comissão Externa produziu, sendo o relator o deputado Glauber Braga– que o envolvimento do Ministério Público do Rio de Janeiro nas investigações da execução de Marielle Franco só se deu meses depois do ocorrido e por pressão dessa comissão e da Anistia Internacional. Da mesma forma que a instituição só “periciou” a gravação que indica o envolvimento de Bolsonaro no assassinato da vereadora depois que o Jornal Nacional a trouxe a público, ela só se envolveu nas investigações depois de pressionada. Até então, estava negligenciando o brutal assassinato político. E quando entrou em campo apresentou a tese fajuta do crime de ódio, como se a morte de Marielle não estivesse relacionada com a atuação das facções políticas (inclusive as facções criminosas) que disputavam o legado do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016.

    O fato de os pais da vereadora lamentarem o afastamento de Carmen Bastos das investigações é a prova de que eles estão sendo vítimas de outra violência por parte do sistema que matou sua filha. E eles não fazem nem sequer ideia desta violência.

    São pessoas que perderam uma filha. Mas que ainda não têm a noção clara do que ela fazia ou representava. Não têm ideia completa do jogo para cujo fim ou alteração a memória de sua filha assassinada é tão importante (e a prova dessa falta de entendimento e vulnerabilidade é o fato de, após muita gente ficar perplexa ante a notícia do seu lamento, a família ter tomado nova posição). Pensam primeiro –e não sem suas razões– na perda pessoal. E é a partir dessa questão privada que agentes públicos que não desejam a elucidação do crime tentam manipulá-las.

    O Estado poderia e deveria estar ao lado dos familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes na busca por justiça e reparação em relação ao assassinatos de ambos por sicários a serviços de organizações criminosas e facções políticas. Mas não está porque o próprio Estado está infestado, como um móvel de madeira por cupins, pelas organizações criminosas que mataram seus entes queridos, e, agora, de dentro do Estado, e se valendo dos próprios recursos deste, tentam prejudicar as investigações, inclusive assediando seus (de Marielle e Anderson) familiares.

    Trata-se de uma estratégia por parte dessas organizações criminosas que infestam o Estado com a qual é difícil pra a gente de esquerda e progressista lidar, pois a estratégia implica usar a autoridade moral e a dor das vítimas contra aqueles e aquelas pessoas que lhes são real e honestamente solidários. Quem tem mais autoridade para falar em nome dos mortos e pelos mortos? É essa a questão que os representantes das organizações criminosas nas instituições do Estado colocam em cena ao seduzirem os parentes de suas vítimas.

    Lembro-me da polícia de São Paulo anunciando que não iria investigar os indícios evidentes de um assassinato motivado por homofobia porque a família havia reconhecido que se tratou de “suicídio”. Quase o mesmo se passou em relação ao assassinato do estudante da Facom (Faculdade de Comunicação) da UFBA (Universidade Federal da Bahia), em que o delegado se recusou a abrir a linha de investigação de crime motivado por homofobia porque a família não reconhecia a homosexualidade do filho. Os ativistas do movimento LGBT sabemos o quanto a autoridade das famílias sobre os mortos na maioria dos casos acaba por prejudicar os esforços para punir seus assassinos.

    A essa altura, principalmente Marielle Franco não é apenas a filha de dona Marinete e seu Francisco da Silva, irmã de Anielle, mãe de Luyara e esposa de Monica Benício. Ela tampouco é apenas a vereadora do PSOL do Rio Janeiro. Se há algo de maravilhoso e potente no enredo de 2019 da escola de samba Mangueira é o fato de o carnavalesco Leandro Vieira ter se dado conta disso e decidido dizer isso em poderosas alegorias acompanhadas do refrão: “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, Malês”.

    Marielle representa todos as pessoas mortas historicamente pelas mesmas forças políticas que a executaram – e não só no Brasil, que fique claro. Ela virou um símbolo global das vítimas da necropolítica em todos os países do mundo em que esta se manifestou e se manifesta, principalmente daquelas vítimas que resistem a esta necropolítica, em todos os sentidos da palavra resistência.

    Sendo assim, é imperativo fazermos justiça em relação aos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes; é imperativo não deixarmos que as forças políticas e criminosas que os eliminaram enganem seus familiares e os coloquem a seu favor sem que saibam disso; é fundamental não permitir o silenciamento da palavra dos mortos pela manipulação da ingenuidade e vulnerabilidade dos seus parentes vivos.

    É nosso dever –nós que, como Marielle em vida e agora também depois de morta, fazemos oposição a essas forças– amparar os familiares das vítimas simbólicas também nesse âmbito subjetivo.

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    A confissão de culpa http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/02/a-confissao-de-culpa/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/11/02/a-confissao-de-culpa/#respond Sun, 03 Nov 2019 01:36:43 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=298

    Bolsonaro hoje: presidente comprou uma moto e disse que ‘pegou gravações’ do condomínio

    Só os políticos oportunistas, os eleitores idiotas e os fiéis da seita bolsonarista acreditam que Jair Bolsonaro pegou, segundo ele mesmo, a gravação das ligações da portaria do Condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, onde tem uma casa, para que elas não fossem adulteradas. Todos as pessoas inteligentes e atentas sabemos que ele pegou a gravação exatamente para fazer o contrário do que diz: pegou-a para adulterá-la e impedir que ela comprove sua relação – já apontada por várias outros indícios – com o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

    Ignorando completamente a advertência do ministro decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, ao pegar a gravação, seguramente com a cumplicidade de seu ministro da Justiça, Sergio Moro, Bolsonaro mais uma vez se comporta como um “monarca presidencial” e trata o Brasil como uma selva em que pode praticar safári ao seu bel-prazer em companhia de seus herdeiros e com a ajuda de suas milícias, desrespeitando clara e debochadamente do Estado Direito.

    Bolsonaro levou as práticas criminosas frequentes em seus mandatos como deputado federal para a presidência da República, transformando-as em terrorismo de estado com a ajuda de Sergio Moro, o ex-juiz da Operação Lava Jato que prendeu Lula num processo fraudulento e sem provas, mas que segue silente em relação ao enriquecimento ilícito da família Bolsonaro e a relação íntima desta com Queiroz, bandido que, mesmo foragido, segue gerindo informalmente os mandatos de Flavio e Eduardo Bolsonaro. Moro segue também blindado pela Rede Globo, que está ciente de que falar a verdade sobre esse canalha é pôr abaixo a narrativa mentirosa que ela ajudou a construir para impedir que o PT ganhasse mais uma eleição presidencial.

    No dia do primeiro ataque à democracia perpetrado pelas facções das elites politicas e econômicas, com o apoio da parte ignorante, ressentida e hipócrita da classe média, que vinham perdendo as quatro últimas eleições presidenciais – no dia 17 de abril de 2016 – Bolsonaro elogiou um torturador sob os olhos de todas elas. De quebra, dirigiu-me uma vez mais um insulto homofóbico. Reagi com uma cuspida em sua cara de fascista que estampava o riso de quem gozava da cumplicidade dos que deveriam tirá-lo dali algemado pelo que fez.

    Bolsonaro e seu filho Eduardo pegaram as gravações da sessão do golpe e fizeram uma adulteração criminosa – posteriormente comprovada por laudo da perícia da polícia do Distrito Federal – de modo a me acusar de ter premeditado a cuspida e, com isso, levaram-me (eu, a vítima!) ao Conselho de Ética da Câmara, com ampla cobertura de uma imprensa que fazia da perseguição homofóbica um espetáculo para me humilhar. Não se tratava da primeira vez que Bolsonaro falsificava documentos públicos para me incriminar.

    Bolsonaro também contou mais de uma vez com seus aliados ideológicos (se não, de seus compadres de organizações criminosas) no Ministério Público para fazer denunciações caluniosas contra mim a partir de fake news que seu gabinete mesmo disseminava com recursos públicos. Aliás, também aí não faltaram “jornalistas” nos grandes jornais e portais na Internet prontos para noticiar essas denunciações criminosas de modo a me constranger e me intimidar porque, à época, eu era uma das vozes mais ativista fora do PT contra o golpe de 2016.

    Não é de espantar, portanto, que, logo após a denúncia feita pelo Jornal Nacional – de que um dos assassinos de Marielle Franco, no dia em que a executaram, dirigiu-se, antes, à casa de Bolsonaro no condomínio de luxo em que mora na Barra da Tijuca; não é de espantar que, logo após essa revelação, a promotora do caso, Carmen Eliza Bastos de Carvalho, bolsonarista convicta, daquelas de postar foto no Facebook vestida com a camiseta do “mito”, tenha vindo a público desqualificar a denúncia do telejornal.

    Ora , a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marília Castro Neves, espalhou fake news difamando Marielle Franco e “justificando” seu assassinato brutal menos de quatro horas depois de sua morte. Esta mesma desembargadora – que segue impune em sua ostentação cafona – antes sugeriu a minha execução “profilática” num grupo de magistrados.

    Logo, só não vê quem não quer ver: Bolsonaro irá deliberadamente adulterar, de modo a se safar, a gravação das ligações feitas da portaria de seu condomínio de luxo no dia em que seus vizinhos sicários assassinaram Marielle Franco e Anderson Gomes.

    O ato de pegar a gravação é, em si mesmo, uma confissão de culpa, por parte de Bolsonaro, no assassinato dessa vereadora honesta, que trabalhava pela dignidade dos mais pobres e das mulheres e que era um símbolo de mobilidade social e de renovação na política brasileira. E é como confissão de culpa que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, as Forças Armadas, a Procuradoria Geral da República, o Ministério Público do Rio Janeiro, a Ordem dos Advogados do Brasil e a imprensa – ou ao menos os que ainda têm decência e apreço à democracia nessas instituições – deveriam tratar esse ato de Bolsonaro.

    Essas instituições, contudo, encontram-se numa encruzilhada porque, salvas as raras exceções, 1) participaram deliberadamente e num “grande acordo nacional, com Supremo e tudo”, cada uma à sua maneira, do golpe contra o governo Dilma em 2016, primeira fissura antidemocrática, alinhando-se com Bolsonaro e sua base eleitoral gerida por organizações criminosas nas eleições de 2018; e 2) estão eivadas, por dentro, pela ideologia da extrema-direita e há muito tempo elas mesmas abrigam títeres dessas organizações criminosas que pretendem solapar de vez o Estado Democrático de Direito.

    A hora de sair da encruzilhada é esta!

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    A hipocrisia homofóbica da porta-voz da “República de Curitiba” http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/10/29/a-hipocrisia-homofobica-da-porta-voz-da-republica-de-curitiba/ http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/2019/10/29/a-hipocrisia-homofobica-da-porta-voz-da-republica-de-curitiba/#respond Tue, 29 Oct 2019 13:19:02 +0000 http://jeanwyllys.blogosfera.uol.com.br/?p=292

    Júlio César Guimarães/UOL

    A Gazeta do Povo –principal jornal do Paraná e alto-falante da Operação Lava Jato– decidiu não só militar contra a criminalização da homofobia, garantida em decisão recente do Supremo Tribunal Federal, como também conquistar novos assinantes para seus conteúdos por meio de uma campanha hipócrita.

    Em longo e-mail recheado de ofertas a atuais e futuros assinantes, o departamento de marketing e relacionamento do jornal de Curitiba chama a criminalização das condutas e discursos homofóbicos de autoritarismo “orwelliano” (numa referência descabida à –e que distorce a– ficção de George Orwell sobre uma sociedade distópica vigiada, controlada e punida pelo “Big Brother”) e critica duramente o STF por, segundo o jornal, “criar mais um tipo penal”.

    Esse proselitismo poderia ser respeitado de alguma forma se não viesse de um jornal que apoia abertamente a criação de novos tipos penais proposta pelo “pacote anticrime” de Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, arautos da ampliação e fortalecimento do Estado Penal que descarta a presunção de inocência prevista na Constituição Federal, criminaliza a política de esquerda e encarcera em massa e extermina os pobres. A Gazeta do Povo expressa, portanto, uma hipocrisia homofóbica.

    Todas as pessoas minimamente bem-informadas e de bom caráter –ou seja, relativamente vacinados contra as fake news– sabem qual é a minha posição em relação à criminalização da homofobia. Não creio que, do ponto de vista da política pública, transformar o discurso homofóbico –insultuoso, humilhante e ultrajante da dignidade humana– em crime e prever penas duras de prisão para quem o profere em público seja a solução para esse mal. O que não quer dizer que eu não seja a favor do agravamento das penas para as violências duras –lesão corporal, tortura psicológica e/ou física, tentativa de homicídio e homicídio– quando motivadas por preconceitos e aversões às pessoas LGBTs e seus modos de vida. Da mesma forma que concordo que sejam agravadas as penas das violências físicas motivadas por racismo, do antissemitismo ao ódio a pessoas de pele preta, passando pela islamofobia e pela aversão aos povos indígenas e asiáticos.

    Porém, durante o julgamento do STF que resultou na criminalização da homofobia, coloquei-me claramente ao lado dos que advogavam por esta –em especial do advogado e brilhante jurista Paulo Iotti– pelo fato de concordar com eles de que existe uma omissão do Legislativo em relação a um mandado constitucional, já que não é possível dar à homofobia um tratamento legal diferente do que é dado ao racismo da cor da pele –que é criminalizado, assim como o antissemitismo.

    Ou seja, por mim, nenhum discurso de ódio seria punível com prisão (mas, sim, com justas multas pagas às vítimas ou a instituições que trabalham na promoção da dignidade humana e cidadania plena dos coletivos com os quais estas se identificam ou são identificadas). Mas, já que existe uma a lei que pune o discurso racista e antissemita com a pena de prisão, a homofobia não pode ter tratamento diferenciado; do contrário, teríamos hierarquia de opressões e violências que não podem ser hierarquizadas pelo Estado Democrático de Direito.

    Esta minha posição está em completa consonância e coerência com a defesa que faço –e fazia abertamente quando deputado federal– do Estado Penal mínimo, que se traduz em políticas de descriminalização do aborto (ou seja, nenhuma pena de prisão para a mulher que aborta); descriminalização da prostituição (nenhuma pena de prisão para o adulto de qualquer gênero consciente e capaz que faça sexo em troca de dinheiro –e a prostituição nesse sentido não pode jamais ser confundida com a escravidão ou exploração sexual de adultos ou crianças); e descriminalização do porte de qualquer droga para consumo pessoal e recreativo (nenhuma pena de prisão para qualquer adulto que seja flagrado nessa situação).

    Justamente por isso, oponho-me desde sempre ao populismo penal e ao (agora sim!) autoritarismo do “pacote anticrime” proposto por Moro e Lava Jato que deseja criminalizar a política, e não combater de fato as múltiplas expressões da corrupção. Tanto isso é verdade que o tal “pacote” não alcança a corrupção praticada pelo mercado financeiro e bancos nem a corrupção na qual os próprios membros da Lava Jato se envolveram (o abuso de conduções coercitivas, as prisões preventivas como prática de tortura psicológica para obtenção de delações premiadas e a condenação sem provas de pessoas como meio de sabotar o processo eleitoral em favor de facções políticas), de acordo com as denúncias de The Intercept e outros órgãos de imprensa.

    Ou seja, eu tenho, ao contrário do jornal da “República de Curitiba”, moral para criticar a criminalização da homofobia, já que me oponho às outras criminalizações, inclusive a da política, e proponho solução (novas políticas de distribuição de renda, educacionais, de segurança e acesso à cultura) para males como a violência urbana, o abuso de drogas e a corrupção que vá às suas raízes ou causas históricas e culturais em vez de ficar propondo contenção ad infinitum de seus efeitos.

    A Gazeta do Povo de Curitiba não tem essa moral! Se sua oposição à criminalização da homofobia fosse realmente sincera, honesta intelectualmente e fundada em princípios do liberalismo clássico, como tenta fazer crer seu e-mail, o jornal não seria o porta-voz dessa (agora sim!) distopia orwelliana proposta por Sergio Moro, que, em uma de suas últimas e sempre constrangedoras falas públicas, defendeu a prática de tortura.

    Por que a Gazeta do Povo, que está se vendendo como amante da liberdade, não disparou para seu mailing uma crítica ao ministro da Justiça de Bolsonaro por esse atentado às liberdades civis?

    Deixo aqui outras perguntas ao jornal da “República de Curitiba”, mesmo correndo o risco de este veículo me atacar com fake news em retaliação a esta crítica à sua hipocrisia homofóbica:

    A Gazeta do Povo teria a coragem de defender explicitamente em e-mail para seus leitores a “liberdade” dos antissemitas de insultarem publicamente os judeus e negar o Holocausto? Tería a pachorra de defender que as torcidas de futebol sigam chamando jogadores negros de “macacos” e lhes atirando bananas em campo?

    Se a resposta for não, então talvez seja a hora de o jornal rever sua posição em relação à “liberdade” dos homofóbicos de continuar nos insultando e nos matando. E se a Gazeta do Povo deseja de verdade um Estado menos penal e punitivista, deveria começar criticando a Lava Jato.

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