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Jean Wyllys

Ágatha

UOL Noticias

21/09/2019 16h48

Ágatha: algo bom, do bem, virtuoso

Quando postei o desenho da Mulher Maravilha em meu perfil no Instagram, eu ainda não sabia da morte de Ágatha, a garotinha de oito anos, baleada em ação da polícia militar do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão.

Hoje, quando acordei e comecei a ver as notícias do Brasil, um país submetido ao retrocesso civilizatório e à barbárie pelos governos federal, estaduais e municipais de extrema-direita, vi, no perfil da escritora e jornalista Rita Lisauskas, uma foto em que Ágatha está vestida de Mulher Maravilha, riso largo, braceletes cruzados à frente do corpo, como o faz a heroína quando se defende de tiros…

Algo novamente se quebrou dentro de mim, como no momento em que soube do assassinato de Marielle Franco. As lágrimas vieram, incontroláveis. Essa imagem –Ágatha de Mulher Maravilha, sorrindo– é um soco no estômago de qualquer otimismo ou esperança. É possível ler, nesta foto, que a garotinha estava sendo educada para ter orgulho de si, de ser mulher, de ser mulher preta; estava aprendendo a lutar como uma heroína.

Sua morte precoce e violenta, portanto, não se resume à dor de sua família, à qual deixo minha solidariedade: assim como o assassinato de Marielle Franco, também uma mulher preta e da favela, o fim de Ágatha representa uma política de extermínio dos pretos pobres (os considerados excedentes descartáveis da sociedade de consumo do capitalismo neoliberal), disfarçada de "guerra às drogas" ou de "política de segurança", e representa também uma política de mais obstáculos à mobilidade social e à conquista de novos espaços sociais e de poder por parte dos negros, em especial das mulheres pretas.

Ainda que não tenha sido intencional e planejada como a de Marielle Franco, a morte de Ágatha é resultado da mesma necropolítica, para citar o termo do filósofo camaronês Achille Mbembe, que eliminou a vereadora do PSOL em março de 2018. Por trás e como causas de ambas, há as mesmas forças políticas racistas e criminosamente organizadas que há anos parasitam os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Rio de Janeiro, num conluio nojento entre empresários, funcionários públicos e lideranças religiosas neopentecostais –forças políticas que chegaram ao Palácio do Planalto com a eleição de Bolsonaro.

Não é mero acaso que o Wilson Witzel que está em silêncio diante da morte de Ágatha tenha, durante a sua campanha eleitoral, estado ao lado de quem quebrou uma placa em homenagem a Marielle Franco. Trata-se de um sociopata com inclinações genocidas que leva ao paroxismo uma política em curso no Brasil desde o fim da escravidão. Um mentiroso racista que deseja interditar o futuro dos negros, em especial das mulheres pretas.

Sabemos que a eleição desse sujeito abjeto foi, assim como as dos Bolsonaro e demais políticos da extrema-direita, sustentada em notícias mentirosas e pânicos morais produzidos artificialmente; porém, é preciso se interrogar sobre o componente de identificação dos fluminenses (e dos cariocas em especial) que nele votaram, garantindo-lhe a vitória. Até que ponto o silêncio do governo não é o silêncio sorridente de boa parte desses eleitores?

E até quando estes vão crer que a violência do governo fascista de Witzel vai lhes poupar?

Quando eu era menino, eu queria ser a Mulher Maravilha, assim como a garotinha Ágatha. Seguramente, como toda criança (e todo criança tem imaginação e fantasias, embora boa parte dos brancos das classes alta e média ache que pobres em geral –e pobres pretos em especial– não têm infância ou não devem ter direito a ela), Ágatha acreditava que a roupa da heroína lhe dava superpoderes. Seu sorriso na foto é o de quem acreditava poder deter qualquer bala que lhe disparassem…

Sei que não serve de consolo à família, e não tenho a pretensão de que sirva (o que estas pessoas queriam era sua criança viva, como na foto!), mas Ágatha já é uma heroína que deve nos inspirar ações efetivas contra os governos Witzel e Bolsonaro, do pedido de impeachment à paralisação consecutiva de ruas e avenidas, passando por greves.

O nome Ágatha vem do grego e significa algo bom, do bem, virtuoso. Ela pode e deve continuar sendo tudo isso simbolicamente.

Ágatha presente!

Sobre o autor

Jean Wyllys é escritor, jornalista, mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia, criador, roteirista e apresentador do Cinema em Outras Cores e ativista de direitos humanos. LGBT com orgulho de si, exerceu dois mandatos como deputado federal e é cidadão do mundo.

Sobre o blog

Um blog que trata das diferentes expressões das políticas, identidades, afetos e artes que nascem das ou impactam as relações humanas. E também os espaços e ambientes em que estas se dão.

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