Topo

Histórico

Categorias

Jean Wyllys

A Pátria contra a Mãe Natureza

UOL Noticias

25/09/2019 22h39

A ativista sueca Greta Tuhnberg, 16

A ativista sueca Greta Tuhnberg, 16

A tagarelice de homens brancos medíocres intelectualmente e sexualmente inseguros contra a ativista do clima Greta Thunberg já começou também no Brasil. Após o emocionante discurso da adolescente na Cúpula do Clima da ONU repercutir nas redes sociais, o jornalista da Band Ernesto Lacombe disparou contra ela ao vivo na televisão: "Eu não compro essa menina, você me desculpa. Eu não compro essa menina. Acho que essa menina tem um discurso alarmista, com frases de efeito".

O uso da expressão "eu não compro" – que alude a caracteres (ou psiques ou subjetividades, com consciências e inconscientes) forjados na e pela ideologia capitalista de que tudo é e deve ser mercadoria – não é mera pobreza de linguagem nem acaso: é um sintoma. A repetição da palavra "menina" igualmente. O jornalista também repete, em relação a Greta, a teoria conspiratória, impregnada de antissemitismo, de que a ativista é manipulada pelo judeu e multimilionário George Soros.

Depois de Ernesto Lacombe, o radialista e igualmente fã de Bolsonaro Gustavo Negreiro, da 96 FM, disse, em seu programa, que a ativista adolescente "é uma histérica e precisa de homem". O radialista pediu desculpas por esse insulto machista depois de criticado junto à empresa em que trabalha. A alusão à histeria e a prescrição de "homem" como remédio para esta também estão aí em seu discurso como um sintoma e não só abuso de linguagem.

O patriarcado está agonizando e em estado de negação, não só de sua doença terminal como também da enfermidade que ele causou no planeta: o aquecimento global e as mudanças climáticas decorrentes desta que estão pondo em risco todas as espécies vivas.

Lacombe e Negreiro se somam a uma longa lista de machos adultos brancos e heterossexuais que vêm insultando Greta Thunberg desde que ela apareceu no cenário mundial trazendo uma verdade inconveniente aos capitalistas. Um artigo publicado no site da revista The New Republic e assinado por Martin Gelin descreve uma série de ataques de homens brancos da direita e da extrema-direita à ativista adolescente, entre estes o perpetrado pelo ex-funcionário de Trump, Steve Milloy.

Não se trata de mera coincidência que esses haters tenham tantas características em comum. Já há pesquisas acadêmicas consistentes que apontam uma ligação cada vez mais estreita entre os que negam a crise climática decorrente do aquecimento global e os chamados "reacionários de gênero" (os homens héteros que odeiam o feminismo e o movimento LGBT). Um dessas pesquisas é tocada pela Universidade de Tecnologia Chalmers, da Suécia, que lançou recentemente o primeiro centro de pesquisa científica do mundo a estudar a negação das mudanças climáticas.

Em 2014, os pesquisadores Jonas Anshelm e Martin Hultman publicaram um artigo analisando a linguagem de um grupo focal do que eles chamam de "céticos climáticos" (homens como Ernesto Lacombe, que "não compram essa menina"). Segundo o artigo, para os céticos climáticos, não é a natureza que está ameaçada, mas "um certo tipo de sociedade industrial moderna construída e dominada por sua forma de masculinidade".

Nesse sentindo, os homens heterossexuais (especialmente os homens heterossexuais brancos) se veem ameaçados tanto pela igualdade e equidade de gênero reivindicadas pelo feminismo e pelo movimento LGBT quanto pelas críticas do ativismo climático ao modo de produção capitalista que sempre correspondeu à dominação masculina. Greta Thunberg encarna essas duas ameaças, por isso está sendo tão insultada por eles.

Os nacionalismos de direita ou extrema-direita que emergiram em diferentes países são, simultaneamente, homofóbicos, anti-feministas e negacionistas do aquecimento global. O mais tenebroso deles até agora é levado a cabo pelo governo Bolsonaro, porque, além dessa sobreposição, flerta abertamente com organizações criminosas para-militares violentas e com igrejas fundamentalistas cristãs que atuam como máfias.

Os estudos sobre fake news que venho realizando nos últimos meses – este semestre na Universidade de Harvard – já mostram que o recurso às teorias conspiratórias (semelhantes à que diz que judeus ricos como George Soros estão por trás da globalização, despertando o fantasma do antissemitismo que produziu o holocausto nazista, do qual Soros escapou inclusive) e o recurso às notícias mentirosas em redes sociais digitais são as principais armas da comunicação da ofensiva desses nacionalistas de direta e extrema-direita. No caso dos brasileiros, eles também acreditam que a terra é plana.

Estamos todos participando da luta entre a Pátria e a Mãe Natureza. O patriarcado – materializado nos partidos, empresários, líderes religiosos e políticos de direita e extrema-direita – quer seguir dispondo dos corpos das mulheres, dos gays e das crianças, e explorando os recursos naturais como se fossem infinitos. Já a Mãe Natureza tem reagido a essa insistência homicida com mudanças climáticas e catástrofes ambientais. Ao lado dela e tentando mudar nossa relação com ela, para sobrevivermos, estamos os movimentos feminista, LGBT, pela descolonização, por justiça social e ambientalista, e mais a juventude estudantil, progressistas das religiões como o Papa Francisco e os povos indígenas e das florestas.

Se não vencemos essa luta, se não transformamos a Pátria em Mátria e depois em Frátria, como canta Caetano Veloso, podemos dar, como certa e em pouco tempo, a nossa extinção!

Venceremos!

Sobre o autor

Jean Wyllys é escritor, jornalista, mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia, criador, roteirista e apresentador do Cinema em Outras Cores e ativista de direitos humanos. LGBT com orgulho de si, exerceu dois mandatos como deputado federal e é cidadão do mundo.

Sobre o blog

Um blog que trata das diferentes expressões das políticas, identidades, afetos e artes que nascem das ou impactam as relações humanas. E também os espaços e ambientes em que estas se dão.

Jean Wyllys