Os fiéis da besta
A pesquisa nacional do Datafolha que aponta o aumento considerável da rejeição a Bolsonaro nos últimos dois meses mostra também que, entre os evangélicos neopentecostais (não estão neste segmento os frequentadores das igrejas luterana, anglicana, presbiteriana nem a maioria das batistas), sua popularidade resiste. De acordo com a pesquisa, 46% dos evangélicos neopentecostais ainda avaliam o governo Bolsonaro como "ótimo" ou "bom".
Este não é um detalhe menor dessa pesquisa Datafolha. E ele tem a ver com um aspecto da disseminação de fake news que deu a vitória a Bolsonaro e que vem norteando seu governo.
Um aspecto que – até este momento dos meus estudos sobre o tema – distingue o modo como a propagação de notícias mentirosas acerca de fatos e pessoas da política se dá no Brasil: o suporte dos pastores das igrejas neopentecostais em relações presenciais (fora das redes sociais digitais).
Se a intimidade e a confiança – resultados do parentesco e/ou da história comum que reúne as pessoas nas redes sociais digitais (a mesma turma de escola ou faculdade ou a mesma escola ou universidade, a mesma empresa, a mesma creche dos filhos, etc.) – foram e são fundamentais para a disseminação de mentiras no Facebook e principalmente no WhatsApp, no caso dos evangélicos neopentecostais, o endosso da mentira por parte dos pastores em cultos é algo decisivo para que acreditem nela e a compartilhem com convicção.
É aí também onde se dá a articulação das fake news com o discurso de ódio.
Essa engrenagem funciona mais ou menos assim: os pastores neopentecostais sabem que o combate institucional à homofobia e ao racismo religioso reduz as suas chances de conquistar fiéis e dinheiro entre aqueles que têm preconceitos contra os homossexuais e contra as religiões de matriz africana (o candomblé e a umbanda, por exemplo). Então, aparece, do nada, por meio de um site ou perfil anônimo na internet, uma notícia mentirosa (que quase sempre recorre a um elemento da verdade) sobre o deputado que trabalha no combate à homofobia e ao racismo religioso.
Na sequência, a notícia é disparada em massa nos grupos de Facebook e WhatsApp por números de telefones desconhecidos e perfis apócrifos. Por fim, no culto presencial, os pastores se referem à mentira como notícia que receberam via redes sociais, fortalecendo-a junto aos fiéis.
Foi assim que a mentira de que eu apresentei um projeto para legalizar o casamento entre pessoas e animais virou "verdade" entre a maioria dos neopentecostais, despertando seu ódio contra mim. E, por meio dessa engrenagem, a "mamadeira de piroca" produziu uma histeria coletiva que acabou por dar vitória nas eleições a fascistas (incluindo aí a organização criminosa chamada MBL, que, agora, deseja se safar de seus crimes).
"Escolhido de Deus"
O recente vídeo em que o bispo Edir Macedo – da Igreja Universal do Reino de Deus (a maior e mais poderosa das igrejas neopentecostais brasileiras) – trata Bolsonaro como "escolhido de Deus" é paradigmático não só do ataque à laicidade do Estado prevista na Constituição Federal, mas sobretudo dessa engrenagem que mantém a popularidade de Bolsonaro alta entre esses evangélicos.
Os semialfabetizados, os analfabetos funcionais, os não-leitores (de livros) e os sem acesso às artes vivas são maioria entre os evangélicos neopentecostais, que constituem aquilo que os economistas chamam de "classe C", e que foi o segmento da população mais beneficiado pelas políticas sociais da Era Lula.
A parte deste contingente que chegou ao ensino superior por meio do Fies e do Prouni – com exceções, claro – comportou-se mais como cliente do que como aluna das instituições privadas de ensino, transformada que estava em consumidora pelas políticas sociais do PT. O resultado é que ela teve uma educação superior muito precária: comprou um diploma a prestações financiadas pelo Estado, que não conseguiu, por diversos motivos – entre eles, a corrupção dos empresários da educação superior e de servidores públicos – garantir a qualidade do ensino.
E esta educação precária não garantiu a desconstrução de preconceitos e impediu a ampliação de imaginários que protege as pessoas da propaganda, da manipulação e da mentira. Não interpreta o texto bíblico, não identifica os falsos profetas e tornam-se fiéis da besta que tanto temem em suas fantasias sobre inferno e paraíso.
A tendência, então, é que a rejeição a Bolsonaro siga crescendo de uma maneira geral, mas o culto em torno da sua imagem se radicalize entre os rebanhos das igrejas evangélicas neopentecostais que fecharam um pacto em torno de sua candidatura e que lucram bastante com a homofobia e com a demonização dos terreiros de candomblé e centros de umbanda, fruto do racismo religioso histórico.
Mas, ao final, a besta cairá!