A aliança do mal
UOL Noticias
14/11/2019 18h50
A extrema-direita direita cristã fundamentalista, racista e homofóbica que sustenta o governo Bolsonaro no Brasil decidiu se apropriar do Anel de Möebius como seu símbolo da mesma forma que os nazistas na Alemanha dos anos 30 se apropriaram da Cruz Suástica. O logotipo da Aliança pelo Brasil – o novo partido do Bolsonaro – é, assim como o adotado no passado pelo partido de Hitler, um símbolo universal. A história já se repete como farsa.
O recente golpe que uniu militares e cristãos fundamentalistas racistas, com o amplo apoio das oligarquias locais e sua imprensa, contra o presidente Evo Morales na Bolívia – em que pese o malabarismo (para não dizer desonestidade) intelectual de cientistas políticos neoliberais para negar este golpe e tratá-lo como "restituição democrática" – e o lançamento do novo partido de Bolsonaro três dias depois não são mera coincidência. Tampouco é coincidência a invasão, na sequência, da embaixada da Venezuela no Brasil com o beneplácito do governo Bolsonaro.
Vamos dar o nome certo ao que está acontecendo? Trata-se de avanço escancarado do fascismo. Sim, fascismo. Desde 2015, quando a filósofa Márcia Tiburi e eu decidimos tratar os discursos e as práticas fascistas da extrema-direita que ascendia juntamente com Bolsonaro, com o apoio dos partidos de direita antipetista (PSDB, DEM, PSC, PPS e PP) que já abrigavam alguns de seus porta-vozes, desde aí, a imprensa comercial e alguns intelectuais vêm se recusando a usar o termo certo para designar aquelas práticas e discursos e a alertar a opinião pública sobre o perigo que o fascismo representa.
Ora, não podem, nessa altura do campeonato, e testemunhando os horrores que se multiplicam, a imprensa e intelectuais liberais no Brasil seguirem tratando o fascismo com outro nome (e sem explicá-lo devidamente às pessoas). E se seguem mascarando a realidade dessa forma, apesar dos males evidentes, é porque estão tirando proveito desse fascismo. Sem este e sua promessa de violência, a política econômica injusta do ministro de Bolsonaro, Paulo Guedes, que retira direitos dos trabalhadores e da classe média e assegura privilégios aos mais ricos, não estaria sendo implementada.
As práticas de violência política, censura e racismo religioso do fascismo à brasileira só vêm sendo tratadas com condescendência por parte da imprensa comercial (até mesmo pela Folha de São Paulo) porque, sem estas práticas, o programa neoliberal imposto radicalmente ao Brasil desde o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff já teria sido rejeitado por massas de trabalhadores nas ruas, como acontece no Chile nesse momento.
A aliança que a novo partido de Bolsonaro propõe é tenebrosa e desde já aprofunda a vulnerabilidade dos liberais nos costumes (de quem é a favor da legalização da maconha e do aborto, por exemplo), das pessoas identificadas com a esquerda e de todas as pessoas que não professam o cristianismo fundamentalista como fé. Isto porque se trata explicitamente da aliança entre forças armadas (membros das polícias militares e civis) e fanáticos religiosos (cristãos fundamentalistas das igrejas neopentecostais, muitas das quais já servindo de lavanderia para o dinheiro sujo de organizações criminosas como as milícias).
O golpe na Bolívia tem nos mostrado do que essa aliança é capaz. As milícias cristãs fundamentalistas racistas que depuseram Evo Morales e perpetram violências contra indígenas e pessoas democratas que resistem ao golpe nos revelam que essa aliança é a grande ameaça à democracia na América Latina. Porque associa a lógica militarista (a eliminação do inimigo) – e o treinamento para o funcionamento desta lógica – à crença fundamentalistas das religiões monoteístas de que LGBTs e infiéis (os que professam outra fé ou são ateus) são os inimigos aos quais só restam duas saídas: a conversão e a renúncia de si ou a morte.
A cooptação de parte do braço armado do Estado pelo fundamentalismo cristão põe em risco a diversidade política, sexual e de gênero, étnica e religiosa. E levanta no horizonte sombrio o risco permanente de massacres e genocídios, como já aconteceram na Turquia (com os curdos); na Birmânia (com os rohingya); em Ruanda (com os tutsis e twa); e com os judeus e homossexuais (na Alemanha nazista), para citar alguns.
Há, por trás dessa aliança, o dinheiro da extrema-direita cristã e supremacista branca americana. Aliás, o uso da Fita de Möbius (ou Anel de Möebius) na logomarca da Aliança pelo Brasil mostra que o imbecil violento Bolsonaro está apenas servindo a uma inteligência desta extrema-direta – Steve Bannon – que quer destruir a democracia.
Trata-se, portanto, de uma aliança do mal não só contra o Brasil democrático e diverso.
Oxalá consigamos impedir que a história se repita como tragédia!
Sobre o autor
Jean Wyllys é escritor, jornalista, mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia, criador, roteirista e apresentador do Cinema em Outras Cores e ativista de direitos humanos. LGBT com orgulho de si, exerceu dois mandatos como deputado federal e é cidadão do mundo.
Sobre o blog
Um blog que trata das diferentes expressões das políticas, identidades, afetos e artes que nascem das ou impactam as relações humanas. E também os espaços e ambientes em que estas se dão.