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O retorno dos monstros

Jean Wyllys

06/03/2019 15h54

Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)

O tuíte de Jair Bolsonaro difamando os blocos de Carnaval, mais que "obsceno" e "incompatível com o decoro" que o cargo que hoje inacreditavelmente ocupa exige, é mais um sintoma de sua descarada má-fé, de seus inconfessáveis inveja e ódio do gozo do outro e de seu inegável fascismo. O tuíte de Jair Bolsonaro é um ataque às liberdades individuais e, ao mesmo tempo, é a recorrência à difamação como meio de desmoralizar a crítica à sua gestão fraudulenta e incompetente.

Vítimas históricas desses males e métodos utilizados por Jair Bolsonaro, sua prole e também por seus aliados no Congresso Nacional (notadamente a bancada de canalhas e estelionatários que busca "justificar" seus crimes e ataques à laicidade do Estado no uso frequente da Bíblia e do "nome de Jesus"), a comunidade LGBT e eu não estamos nada espantados com a publicação desse tuíte.

Há anos, os Bolsonaro e os vendilhões dos templos neopentecostais difamam as paradas do orgulho LGBT e as marchas feministas com imagens chocantes divulgadas nas redes sociais e que quase sempre não correspondem aos fatos que envolvem essas manifestações (e, quando envolvem, não passam de casos isolados facilmente explicáveis e que não comprometem ou não deveriam comprometer o todo). Há anos os Bolsonaro et caterva mentem descaradamente sobre a comunidade sexo-diversa. Para exemplificar, não vou citar nenhuma das calúnias que eles espalharam sobre mim na internet, nem as imagens de filmes pornôs apresentadas como se fossem acontecimentos da Parada LGBTs. Citarei apenas a grande mentira que o levou à Presidência da República: o "kit gay".

Ora, enquanto os alvos das mentiras dos Bolsonaro e dos títeres das máfias neopentecostais éramos nós, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o restante da população não só não se importava com essa postura criminosa, como entrava de bom grado na histeria coletiva, compartilhando as mentiras como se fossem verdades e criticando os movimentos LGBTs. Até mesmo a imprensa dita séria e instituições como o Ministério Público não questionavam essa evidente difamação.

Agora que Jair Bolsonaro, seus príncipes herdeiros e a corte de fariseus hipócritas chegaram à Presidência da República e decidiram avançar sobre o Carnaval e seus blocos de rua, onde os heterossexuais expressam livremente suas liberdades sexuais, objetivando difamar essas agremiações que lhe criticaram duramente este ano; agora que isso aconteceu, o restante da sociedade parece está percebendo quem é essa gente e do que ela é capaz.

Ora, se não notaram antes não foi por falta de aviso. Foi por homofobia, homofobia social. Logo após as eleições, escrevi no dossiê "O ódio ao gozo do outro" da revista Cult (feito a dez mãos por Marcia Tiburi, Renan Quinalha, Antônio Quinet, Dayse Bragantini e eu) — e tenho dito isso em conferências ministradas em diferentes instituições desde que me exilei devido às ameaças de morte — que a homofobia social foi a grande responsável pela histeria coletiva ou surto fascista que deu a vitória a Bolsonaro.

Também tenho dito que, após quebrar o elo mais fraco da corrente (a comunidade LGBT), Bolsonaro e seu governo de fanáticos religiosos e falsos moralistas corruptos e incompetentes avençariam sobre as liberdades e os diretos dos demais, inclusive daquelas pessoas da classe média que se prestaram ao papel deplorável de fazer coreografias públicas vestidas em verde e amarelo.

Afinal, ninguém tem o direito de se meter, julgar e condenar as práticas sexuais de duas pessoas adultas e capazes. A maneira como estas gozam dizem respeito a elas e só a elas. Mesmo que seja por meio de práticas que escandalizem outros. Trata-se da liberdade de pessoas adultas e consequentes. Expor essas pessoas nas redes sociais sem seu consentimento é, além de tudo, um crime.

O tuíte de Bolsonaro não é só um crime. É um sintoma de seu fascismo. É sempre bom relembrar e reafirmar, sobretudo nesses tempos em que a desonestidade intelectual busca revisar a história, que o empreendimento nazista não foi só um empreendimento de "purificação racial" que buscou eliminar os judeus e ciganos (viram, judeus que votaram em Bolsonaro?): o nazismo foi também um empreendimento de "correção sexual" que levou aos campos de concentração e ao extermínio milhares de homossexuais. Após a ascensão de Hitler, os cabarés e clubes de sexo da Berlim dos anos 30 foram fechados porque fascistas não toleram — por inveja — a liberdade e o gozo do outro. E também não podemos nos esquecer de que o macartismo nos EUA não vitimou apenas os comunistas, mas sobretudo os homossexuais.

O tuíte de Bolsonaro é o retorno desses monstros.

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Sobre o autor

Jean Wyllys é escritor, jornalista, mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia, criador, roteirista e apresentador do Cinema em Outras Cores e ativista de direitos humanos. LGBT com orgulho de si, exerceu dois mandatos como deputado federal e é cidadão do mundo.

Sobre o blog

Um blog que trata das diferentes expressões das políticas, identidades, afetos e artes que nascem das ou impactam as relações humanas. E também os espaços e ambientes em que estas se dão.

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